14 de fevereiro de 2014

Laços por Um - Capítulo 1 ~ O Primeiro Laço


∙≈• Capítulo 1 ~ O Primeiro Laço •≈∙

Isso é apenas simples rascunhos que transcrevi enquanto esse ano passava. Coisas acontecem, coisas ruins, que não queria que tivessem sido reais. Acho que todo mundo gostaria de usar uma borracha em algumas coisas da sua vida. Eu a amava, ela era a melhor prima que eu tinha. Tipo… eu a considerava como uma irmã mais velha, pois sou o filho único. (E você nem venha pensar que sou mimado). Fazíamos travessuras com a Dona Olonilda enchendo sua caixa de correio com barro, mas isto é passado, não sou mais criança.
Ela era a única pessoa que eu brincava na minha infância, e quando a via eu ficava contente. Minha prima me visitava pouco – 2 vezes por ano e sempre nas férias escolares.
Hoje quando finalmente consegui fechar os olhos para dormir, todas as lembranças com ela vieram novamente, contudo, respirei fundo para não tentar mais chorar escondido. Na frente dos meus pais eu não quis me demonstrar triste ou abalado. Apenas fiquei quieto reprimindo tudo o que eu sentia. Digamos que eu não gosto de mostrar o que sinto. Tenho uma dificuldade imensa com isso. Mas depois de vários minutos finalmente consegui cair no sono.
Lembro-me de usar fones de ouvido escutando aberturas de animes enquanto andava com o ônibus escolar. Eu ficava vendo pela janela as placas, as pessoas a calçada e as árvores passando. O sinal ficando vermelho e depois verde. Eu sempre sentava sozinho no banco, uma vez ou outra alguém sentava comigo. E posso dizer que meu bairro não tem muitos adolescentes que vão a minha escola – que fica no centro – então o “busão” vem e vai meio vazio. Nada de mais. Isso foi um sonho. Eu recordava até das vibrações do ônibus. Quando eu colocava um dedo na boca e apoiava meu cotovelo na janela e ficava pensando.
O que me acordou foi aquele maldito relógio verde florescente – isso grita mais do que um macaco bugio. Levantei-me, cabelo como um ninho de pássaro e a cara parecendo que foi amassada e jogada fora.
Hoje é meu primeiro dia de aula na terceira série do ensino médio, e o oitavo dia do falecimento de Cristina, minha prima querida. Espero que você esteja feliz por aí, onde você esteja.
Coloquei minha pantufa de pé de urso – é ridículo, eu sei, mas fico uma “fera” quando a uso. Abri a porta para o corredor e já ouso minha mãe a tagarelar com meu pai.
– Rápido sua lesma evoluída! – Minha mãe é realmente gentil de manhã.
– Fica de boa manhê! To indo já.
Meu pai é um pouco maluco, pois têm vezes que nem o mais calmo dos monges aguentaria tanta implicância com tudo de minha mãe. Sem falar quando ela entra na temida TPM, aí até o diabo ora.
Meu pai é calmo e pacifico, ao contrário da minha mãe, ele me dá dinheiro e depois disso sempre vem a frase: Use sabiamente. Geralmente guardo no meu cofre de porquinho. Sim, eu tenho um desses, minha prima falecida me deu de presente em meu último aniversário.
Fui para a cozinha, me sentei frente a mesa redonda de madeira e preparo meu café da minha. Na minha xícara preferida, claro: a de cor preta com bolinhas azuis e vermelhas.
– Filho – chamou meu pai – tome, para a sua coleção.
Um laço de presentes. Ontem, domingo, era aniversário do meu pai e ele ganhou um presente de mamãe. Ele foi presenteado com um terno. Minha mãe deu isso para ele porque ele é corretor de imóveis e colunista do jornal local. Podemos dizer que ele é um tanto popular aqui no bairro.
Já eu, coleciono laços desde que me conheço por gente. Guardo de todos os tipos, tamanhos, cores e modelos. E se mexerem neles sou capaz de usar magia negra. Ok, exagerei, mas apenas odeio que mexam em minhas coisas, quem nunca sentiu isso?
Meu sonho é ser um escritor reconhecido pelo mundo. Meu pai me incentiva dizendo que tenho de estudar muito. Já minha mãe preferiria que eu cursasse direito ou medicina na faculdade, pois na cabeça dela, ser escritor é marmelada. De fato é um campo bem difícil, então me rendi a ela e escolhi direito. Seria mais legal usar o martelinho na corte do que deixar escorregar um bisturi das mãos e mutilar corpos peladões na faculdade.
O fato é que hoje é o primeiro dia de aula. Pego minha mochila, amarro o laço na porta do meu guarda-roupa e saio rumo ao mundo maravilhoso do conhecimento. Que coisa mais brega…
Primeiro dia de aula parece até um evento de moda aqui no colégio. Todos usam suas melhores roupas e acessórios com mais estilo. Eu não vejo utilidade em usar uma roupa extravagante.
Fui com as roupas do último dia de aula no ano passado, limpas claro. Camisa xadrez marrom-claro e calça jeans preta. Cabelo com todos os fios banhados em gel, fazendo um penteado em que meu cabelo era dividido na têmpora esquerda e um pequeno topete acima da testa. Entro no pátio e sento ao banco de uma mesa de metal.
– Saudações Ben!
– Saudações Math, como foram as férias? – perguntei.
Math é um dos meus poucos amigos, e é meio que vesgo, então, usa um óculos “fundo de garrafa”. Estudioso assim como eu, também pretende cursar direito.
– Uau! Olá – cumprimentou Mayara já a se sentar.
– Olá, Mai.
Essa é minha amiga, e única desse sexo, mas na verdade o Math também é o único… Bem, na verdade só tenho eles como “amigos”, porém apenas conversamos quando é referente a alguma coisa do colégio. Nunca saímos juntos, nem nada.
– Como foram as suas férias de vocês meninos?
– Acabei de perguntar isso para o Math. – Sorri falsamente. Sério! Esse é uma desgraça que eu carrego, bem, eu faço esse sorriso instintivamente, inconsciente, eu não percebo, na verdade quem me disse que sorrio assim foi a própria Mayara em um dia que ela estava irritada ou de TPM, é tudo a mesma coisa. Bem, agora eu sei quando acabo de fazer esse sorriso “falso” (é tipo uma sensação, uma frase que minha mente manda: “Ei seu retardado! Você acabou de fazer um sorriso escroto!”. Eu tento ao máximo não sorrir assim, mas é força do hábito… acho eu). Na verdade eu tento parecer simpático, mas digamos que eu não tenho esse dom como os outros garotos tão populares da escola, ou do time de futebol/basquete.
– As minhas eu fiquei na frente do computador – respondeu Math – esse ano vai ter muitos jogos bons para PC. Eu não vejo a hora de sair o Hero the Crow. Vai ter elfas peladas e tudo. – seus olhos brilharam como uma Esfera do Dragão…
– Uau! – expressou Mayara, sua cara acaba de fazer um sorriso forçado. Nessa hora eu ri maleficamente, por dentro é claro, só não a expus porque não tenho muita “atitude” assim, e nem somos tão íntimos. Mayara que é a mais sincera. Sério, ela é sincera mesmo! – Era de se esperar, Math – ela fez um gesto expressivo – Ehh… As minhas eu fui para a praia, acreditam? – A praia é quase 150 km de Nicyfild, onde moramos. Mas digamos que eu nunca tive vontade de ir para lá. É só você misturar água, sal e areia e pronto: conheceu o que significa o termo praia. E eu faço isso na cozinha ou até mesmo quando criança, nas caixas de areia do colégio.
Mayara contorceu a sua cara, meio que estando desagradável.
– Quase morri com um caranguejo. – Continuou ela recordando – Meu dedo foi quase decepado por aquele monstro! – Mai coloca seu dedo com bandagens em evidência sobre a mesa. – Eu corri quase a praia inteira até aquilo desistir. E as suas Ben?
Nesse momento, Mai e eu, arquejamos o nosso corpo para o lado, pois Math espirrou soltando uma meleca sobre a mesa de metal.
– Ugh! – Mai esboça nojo colocando a mão enfaixada aos lábios. – Você não pode expulsar dióxido de carbono e secreções em lugares mais… apropriados?
– Disculpã! – respondeu com um som nasal interrompido.
– Ah – retornei a responder Mai – Não foram muuuuito boas, sabe? Uma prima minha acabou falecendo. – sorri forçadamente e meu cérebro já gritou: “De novo seu besta?”
– Uau! Meus pêsames!
Assenti, apenas. O sinal soa, e o roçagar das pessoas e os murmúrios eram em vastidão. Parecia mais uma manada de mamutes correndo pro corredor. Quem chega primeiro tem sempre as melhores carteiras no fundão, mas digamos que nós três não disputamos esses carteiras, então…
Levantamos e Math pegou um papel e passou na meleca sobre a mesa. Era tão escroto! Depois ele arrumou os livros entre a axila e arremessou o papel ao lixo.
– Cesta de 3 pontos paaaara Maaath!! – imitou o narrador de um jogo de basquetebol.
– E aí bichonas? – zombou Deviny a passar em nosso lado – É muito bom ver vocês! – falou sarcástico depois de fazer Math deixar cair seus livros. Acena e se distancia com mais três rapazes a rirem.
– Ele se acha o maioral por ser o líder do time de futebol – observei – não dê “bola” Math.
– Ele é um tapado. – concordou ele a ver nós o ajudar-lheEstá assim só porque está se borrando de medo de perder a posição de líder do time para Oliver, o garoto sapato do segundo grau.
– Garoto sapato? – questionou Mai depois de fazer uma cara cômica de incrédula.
– É! Oliver cozinhou seus sapatos usados na última festa dos populares e fez Deviny tomar sem saber o que era. Com chulé e tudo! – acrescentou pegando o livro que eu lhe dera.
– Vamos. – pediu Mai.


Sentamos nas carteiras da frente da sala (como sempre). E atrasada (como sempre), Ângela entra na sala. Essa menina é linda, sério. Loira, magra, alta, de olhos claros e digamos que ela é bem “dotada” de centímetros no quadril e peitos. Bem, para os protocolos sociais de cultuação ao corpo ela é a top das top’s! Ela senta lá atrás, ao lado de Deviny (obvio!!), pois eles são namorados. Veja as contas: A menina mais popular e bonita + o menino mais popular, porém burro = protocolo social? Se sim, isso é clichê de mais.
Enfim, aula de filosofia. No final da aula o professor começou a entrar em um assunto em que se empolgou e não parava mais de falar. Contudo, depois de conseguir respirar, começa uma aula meio que de motivação ou sei lá o que:
– Vocês veem o mundo como apenas uma esfera? E suas vidas são o que se não um piscar de olhos nessa esfera? – pensou um tempo, sentou sobre a mesa e continuou – Vocês são jovens, tem tudo asfalto pela frente: a faculdade, o trabalho, namoro, depois uma família, escrever um livro, quem sabe! – ele olhou para mim e eu sorri, já os garotos lá atrás começaram a rir da babaquice que o professor estava falando, bom, pelo menos na visão deles, claro. – Eu lhes pergunto: Se vocês soubessem que morreriam hoje, que tudo terminaria aqui e agora, estariam felizes com o que fizeram? Aproveitaram sua infância e adolescência como deveriam?
Céus, o que aquele professor estava dizendo? A sala ficou na mesma hora tensa, se o professor usasse esta técnica todos os dias… acho que não haveria tantas conversas paralelas. Porém, depois de um tempo, comecei a entender o que ele estava tentando passar e mudei minha visão sobre o seu discurso: Falou sobre planetas, sobre como somos uma poeira cósmica em uma imensidão de escuridão. Eu quase tive uma crise existêncial , realmente me afetou a pergunta Aproveitaram sua infância e adolescência como deveriam?
Eu fiquei minha vida inteira de cara nos livros, nunca saio com os amigos, fico no computador, gosto de escrever o que penso. Mas eu estaria aproveitando a minha adolescência? Eu sentia que deveria sair, rir, tomar alguma coisa com os amigos. Coisas assim, sabe? Mas também eu nunca dou muita oportunidade, pois sou fechado, não consigo saber bem ao certo o que eu sinto. Isso é uma desgraça…
A aula finalmente acaba. O fundão estava murmurando ideias “satânicas” para fazer com os novatos. Esse ano, estamos na terceira série do ensino médio, então pela cultura colegiana (sei que este termo não existe) podemos fazer algumas gozações básicas com os novatos, ou seja, podemos “brincar” com o primeiro grau! Mas tipo, eu estava vendo hoje no colégio garotos novatos com os pescoços chupados, obviamente por coisas safadinhas, e eu aqui: ser ter beijado nenhuma menina ainda. Mamãe diz que sou bonito, e papai fala que sou um homem, mas tipo, eles não contam, certo?
Maldição daquele ônibus. Range toda vez que trocam de marcha. É escolar, mas hoje uma mulher vestindo roupa de corrida entra do ônibus. Suando, fedendo e tudo mais. Ela é a tia do motorista, meio gorda, cabelos até o ombro, encaracolados e meio avermelhados. E adivinha onde ela sentou? Sim, isso mesmo! AO MEU LADO!
Tirando o fato do fedor de sovaco, a viaje estava até que boa.
A noite, na hora do jantar, mamãe trazia a último recipiente de vidro para a mesa usando uma luva “anti-queimar-meus-dedinhos” da cor rosa.
– Coma bem para criar músculos ou, pelo menos, gordura nesse corpo aí! – pediu meu pai – Menina nenhuma gosta de grilos falantes.
– Claro que não – respondi bem humorado – é o Pinóquio quem gosta! – papai fungou rindo.
– Tu vai comer e pronto! – ordenou minha mãe colocando um prato em minha frente.
Papai sorriu novamente para mim expressando uma leve zoação. Daquelas “eu venci”. (Ele sempre faz isso).
– E como foi o seu primeiro dia de aula, filhão? – quis saber papai se sentando a mesa.
– Foi como todas as outras vezes, eu acho. Tipo, só tirando o fato que o professor de filosofia se superou desta vez. O professor Wilson Bellwood.
– Ah! Eu o conheço. – contou o meu pai colocando uma porção de comida em seu prato. – Eu o vi quase sofrendo um acidente grave esta manhã – eu franzi o cenho – por pouco bateu contra uma carreta, eu contei para sua mãe ao meio-dia enquanto você estava no quarto lendo.
Bem, acho que eu posso ligar todo aquele discurso com este ocorrido? Sabe, precisamos de estímulos para conseguir modificar nosso psicológico. E ser quase morto por uma carreta (lembrando que ele tem esposa e dois filhos) é bem propício ser um estímulo assustador…
– Entendo – sacudi a cabeça olhando para o prato vazio, depois, pela janela e entre as folhagens das árvores, fitei a rua já escura sendo iluminada pelos postes. Uma menina passa andando de bicicleta sem as mãos no guidão. – Pai. Mãe. – Ah, eu queria falar, mas eu tinha medo de lançar uma besteira ou frase absurda, porque com mamãe não se brinca. Eles pararam de levar os talheres a boca e me observavam esperando eu dizer alguma coisa.
– O que foi? – perguntou mãe com o cenho franzido, impaciente.
Eu, na minha cabeça, escolhia cuidadosamente as palavras até que finalmente entoei:
– O professor Bellwood nos perguntou se a vida acabasse hoje, ficaríamos satisfeitos com o que aproveitamos da infância e adolescência…
Meus pais se entreolharam de relance e papai colocou sua mão direita sobre o dorso da minha.
– Olha, filhão. – Ele estava pensativo e tirou os leves óculos redondos e o pôs sobre a mesa. – Você sempre foi quieto, não gostava de brincar com as outras crianças quando pequeno. – Ele sorriu solidariamente e senti dó naqueles olhos azuis que me fitavam. – Sei que para você está sendo difícil neste momento pela infeliz perda que tivemos na família. Era só com Cristina que você gostava de brincar lá fora de casa. Foi ela quem lhe deu o primeiro laço, por causa dela você coleciona até hoje essas coisas. – Ele olhou para a mãe e pressionou de leve minha mão. Eu estava com um nó na garganta e não conseguia manter contato visual com algum deles. – Eu quando tinha a sua idade me divertia com os meus amigos.
– Você quer dizer ir em zonas!? – retrucou mamãe, meu pai revirou os olhos ignorando-a. – Olha Ben, não somos todos iguais. Cada um tem sua forma de se divertir. A sua é apenas diferente, mais saudável.
– Sempre gostamos de te ver feliz, filhão. – Ele arquejou as sobrancelhas e sorriu – Beijar garotas, sair passear na cidade, fazer muitos amigos. Você não sente falta disso?
Eu apoiei a testa na palma da minha mão enquanto o cotovelo estava na mesa. Torci os lábios, pensando.
– Claro que não. – Minha mãe respondeu – Não quer que ele seja u drogadinho, quer senhor Albert? – questionou ao pai – Prefiro vê-lo ele aqui lendo, estando seguro, do que fora correndo de polícias porque está com um saco de droga.
– Ora, não é bem assim, Marta! – voltou meu pai em tom suave, paciencioso.
– Chega, chega. – ela pediu sacudindo as mãos e a cabeça. – A comida está esfriando!
Comemos e não falei mais nada. Eu estava parecendo que estava dentro de um labirinto mental. Confuso como o siri que mordeu o dedo da Mayara depois que o largou. Eu colocava em uma “balança” os prós e os contras. Era meu último ano do colegial e eu só me lembro de estar lendo e estudando. Claro que o colégio foi construído com este intuito, mas quanto ao meu ser? Nunca me importei em ficar de lado das coisas, dos bailes, das festas, das comemorações. Eu na verdade nem gostava de ir nesses eventos. Mas agora, depois que aconteceu e está acontecendo…
Tentando fugir de mais pensamentos como esse fui ler, mas a cada parágrafo eu viajava em outras reflexões. Até que desisti, vou para a cama, cubro-me até a cabeça com o cobertor e lembranças com minha prima voltam para sussurrar em meus ouvidos.

Chorei de novo, lembrei-me da Cristina me dando o primeiro laço de presente: uma de cor vermelha com linhas douradas. E aqui, neste momento, decidi que deveria mudar, eu deveria sair, tentar viver mais com outras pessoas, ousar mais, me aventurar mais, pois quem sabe se semana que vem vai ou não chegar?

Obrigado por ter lido!! Abraços de Urso de ~~L.M~~



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